quinta-feira, 21 de maio de 2009

Violência contra os povos indígenas

Violência contra os povos indígenas

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) realizou nesta quinta-feira, o lançamento da publicação Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – relatório 2006 – 2007, com dados sobre as violências praticadas contra os indígenas e sobre as violações dos direitos indígenas.
Há quase 20 anos, o Cimi acompanha, por meio do trabalho em área dos missionários e do levantamento de matérias publicadas em jornais de todo o país, os casos de violências que envolvem povos indígenas. O lançamento do relatório ocorreu durante a 46ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Indaiatuba, São Paulo.
A publicação aborda a violência praticada contra o patrimônio indígena, como os conflitos territoriais e os danos ambientais e a violência praticada contra os indivíduos, como os assassinatos, as ameaças e os atos de racismo. Outro tema abordado pelo relatório são as violências decorrentes da omissão do poder público, como os suicídios, a mortalidade infantil e desassistência à saúde indígena. O capítulo final do relatório apresenta dados sobre ameaças a povos indígenas isolados e de pouco contato que vivem na Amazônia.
Abaixo, alguns dos pontos centrais do relatório em síntese elaborada pelo Cimi e publicada em seu sítio, 10-04-2008.
Em 2007, aumentou em 99% o número de indígenas assassinados no Mato Grosso do Sul
Da mesma forma que no relatório divulgado em 2006, o dado que mais chama atenção no relatório Violência Contra os povos Indígenas no Brasil – relatório 2006-2007 é o número de indígenas assassinados no Mato Grosso do Sul. Foram 53 em 2007 e 27 em 2006, o que mostra um aumento de 99% no número de assassinatos entre os dois anos. Em todo o país, o número de indígenas assassinatos aumentou 64% entre 2006 e 2007, passando de 57 para 92 casos – segundo o registro do Cimi.
Na maior parte dos assassinatos, cuja autoria foi identificada, o crime foi cometido por indígenas, em contextos de brigas, muitas delas entre familiares. Em 2006 (24 casos) e em 2007 (31 casos), há um grande número de casos em que a autoria permanecia desconhecida até a elaboração do relatório. Em muitos casos, os indígenas são encontrados mortos dias depois do assassinato.
Como a maior parte dos assassinatos ocorreu no Mato Grosso do Sul, isso revela que é crescente a tensão que perpassa o cotidiano das comunidades Guarani-Kaiowá, vivendo em parcelas exíguas de terra, em acampamentos em beiras de estradas e em terras demarcadas que abrigam grupos de Tekohás (terra tradicional) diversos. Nesta situação, sobra pouco espaço para plantação e o trabalho assalariado fora das aldeias é a condição quase exclusiva de sobrevivência.
Segundo análise da antropóloga Lúcia Rangel, organizadora do relatório: “A situação do povo Guarani-Kaiowá permanece igual à que foi retratada no relatório A Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - 2003-2005; os dados mostram que um verdadeiro genocídio continua em curso no Mato Grosso do Sul: maior número de vítimas de assassinatos, tentativas de assassinato, suicídios; índices ainda altos de desnutrição, mortalidade infantil, alcoolismo e toda sorte de agressões e ameaças. Morrem atropelados, mendigam nas cidades, sofrem violências sexuais, são presos e vivem em meio a grandes plantações (cana, soja, milho) e pecuária extensiva que contaminam com agrotóxicos as fontes de água, provocam doenças e não deixam espaço para a agricultura familiar”.
Nas usinas de cana-de-açúcar, trabalho degradante e assassinatos
No relatório 2006-2007, merece destaque o impacto que o aumento das usinas de cana de açúcar causa aos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. No relatório, há o registro de casos de indígenas encontrados trabalhando em condições extremamente degradantes ou em condições análogas à escravidão em fazendas de cana e usinas. Em março de 2007, 150 indígenas que trabalhavam no corte de cana na Destilaria Centro Oeste Iguatemi Ltda. (Dcoil) foram libertados por fiscais da Delegacia Regional do Trabalho/MS. Em novembro do mesmo ano, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) descobriu 1.011 indígenas vivendo em condições degradantes na usina Debrasa. A maioria dos resgatados pertencia ao povo Guarani-Kaiowá e inúmeros pertenciam ao povo Terena.
Segundo Lúcia Rangel, “além das condições degradantes de trabalho, há registros de quatro assassinatos de indígenas ocorridos em alojamentos de usinas. Menores de idade falsificam seus documentos para irem trabalhar no corte de cana, enganados por falsas promessas de ganhar muito dinheiro, deixam a escola da aldeia ou da cidade, burlando a fiscalização e deixando seus pais preocupados”.
O recurso ao trabalho assalariado em fazendas e usinas tem sido uma alternativa regular para os homens indígenas no Mato Grosso do Sul. Essa alternativa tenta driblar a falta de terras, o desemprego, a superpopulação nas aldeias e a vida em acampamentos em beira de estrada, que caracterizam a situação atual dos Guarani-Kaiowá. Em algumas aldeias deste povo, há menos de 1 hectare de terra por pessoa, o que impossibilita a maneira de vida tradicional destes povos.
No Maranhão, exploração de recursos naturais gera agressões e mortes
Em 2007, o estado onde foi registrado o segundo maior número de assassinato foi o Maranhão. Foram 10 vítimas. Destes casos, três estão relacionados ao problema da exploração ilegal de madeira na terra Araribóia, do povo Guajajara. A ação de um grupo de madeireiros, em outubro de 2007, além de matar Tomé Guajajara, feriu outros dois indígenas. A presença constante dos madeireiros e o desmatamento provocado também ameaçam um grupo de pelo menos 60 pessoas do povo Awá Guajá que vive nesta terra, sem contato com a sociedade envolvente.
Ainda no Maranhão, o povo Guajajara continua sofrendo as conseqüências da presença da Vale (antiga Companhia Vale do Rio Doce) em seu território. Em 2006, os dois casos de homicídios culposos registrados no estado estão ligados à estrada de ferro da empresa que corta a terra Maranduba, dos Guajajara. Em agosto de 2006, uma pessoa morreu eletrocutada por um fio de alta tensão que foi derrubado por uma locomotiva. A queda já havia sido comunicada à empresa, que não havia tomado providências. O outro caso foi o atropelamento de um indígena por trem de carga da Vale.
Invasões possessórias
Ao longo de 2006, o Cimi registrou 32 casos de invasões possessórias e exploração de recursos naturais nos estados do Amazonas (4), Bahia (1), Ceará (2), Maranhão (1), Mato Grosso (3), Mato Grosso do Sul (4), Pará (4), Rondônia (2), Roraima (9), Tocantins (1) e Santa Catarina (1). Em 2007, foram 14 ocorrências, registradas no Acre e nos demais estados mencionados em 2006. Os invasores foram posseiros, grileiros, fazendeiros, madeireiros, garimpeiros, mas também empresas, nacionais e internacionais e até agentes do Estado, como a Polícia Federal ou a Polícia Militar.
Tupinikim e Guarani, em 2006 – A demora do Estado em regularizaras terras indígenas provoca a violência
Dentre as situações de violência registradas em 2006, o Cimi destaca o conflito entre a empresa Aracruz Celulose e os povos Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo. A disputa em torno de 11 mil hectares de terra foi encerrada em agosto de 2007, quando o Ministro da Justiça assinou a portaria declarando como indígena a área, que até então era ocupada por plantações de eucalipto da Aracruz.
A partir de 2005, o conflito, que já existia há décadas, ficou acirrado. Neste processo, o governo demorou a dar uma solução para a questão, descumprindo todos os prazos legais do Decreto 1775/98, que regula o processo de demarcação de terras indígenas. Enquanto isso, os povos Tupinikim e Guarani foram vítimas de abuso de poder, agressões, ameaças, racismo e outros tipos de violência. Em algumas destas agressões, como na destruição de aldeias que ocorreu em janeiro de 2006, o Estado e a Aracruz Celulose agiram juntos.
Diversas situações de violência contra os povos indígenas decorrem da omissão e da morosidade do Estado em regularizar as terras indígenas. Em 2006, o Cimi registrou 26 situações de omissão, morosidade ou descumprimentos de prazos na regularização de terras. Muitos processos se encontram ou se encontravam parados. Trata-se dos estados do Acre (1 caso), Bahia (3), Mato Grosso do Sul (1), Pará (1), Paraná (2), Rio de Janeiro (2), Rio Grande do Sul (4), Santa Catarina (8), Espírito Santo (1) e São Paulo (4). Em 2007, há registros de 20 casos, referentes aos estados do Paraná, Santa Catarina, Bahia, Paraíba, Acre, Pará e Rio Grande do Sul.

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