quinta-feira, 26 de março de 2009

A Cidadania

A Cidadania João Baptista Herkenhoff http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro2/brasil1.html#7 13/10/03
21:21 hs

1. CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E HISTÓRIA INSTITUCIONAL DO BRASIL
Este capítulo tenciona introduzir o leitor no estudo da história da cidadania no Brasil. Nos capítulos que se seguem (sexto a déci­mo), é nosso propósito dar urna visão histórica da cidadania e dos Direitos Humanos, a partir da Jndepend5ncia de nosso país (1822).
A luta do povo pela volta do Estado de Direito, rompido com o golpe de 1964, a conquista da Anistia (1979), a campanha em prol da Constituinte, sua subsequente convocação e funcionamento, a Constituição Federal de 1988 são temas que serão objeto de detido estudo a partir do décimo primeiro capítulo.
Todas essas questões integram a história da cidadania no Brasil. A separação dos assuntos em capítulos distintos tem o fim didático de facilitar a compreensão.
O estudo histórico da cidadania e dos Direitos Humanos, no Brasil independente, está diretamente ligado ao estudo histórico da evolução constitucional do país, pelos motivos que exporemos a seguir. Por esta razão, no esboço histórico que tentaremos fazer, a questão da cidadania e dos Direitos Humanos será examinada em íntima conexão com o desenvolvimento constitucional brasileira.
2. CONCEITOS PRÉVIOS NECESSÁRIOS PARA ENTENDER A HISTÓRIA DA CIDADANIA E DOS DIREITOS HUMANOS À LUZ DA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
Para compreender devidamente a questão da cidadania e dos Direitos Humanos, na História do Brasil, é necessário estar advertido para determinados conceitos que têm íntima relação com o assunto.
É preciso apreender, de início, certas noções que estão no âmbito da chamada Teoria Geral do Estado: saber o que é uma Constituição, quais são as suas finalidades, quais são os seus tipos existentes.
Depois é preciso descortinar, numa visão breve e geral, o quadro das Constituições brasileiras.
3. CONSTITUIÇÃO: O QUE É?
A Constituição é a lei maior de um Estado, superior a todas as outras leis.
Para alcançarmos o exato sentido desta definição, pre­cisamos entender duas idéias a que a definição se refere:
a) a idéia de Estado;
b) a idéia de lei maior de um Estado.
Comecemos pela idéia de Estado.
O Estado é uma associação de mulheres e homens que vivem num território próprio, politicamente organizados sob um governo soberano.
Três são, pois, os elementos que constituem o Estado: ter­ritório, população e governo soberano.
O território ou solo é o pedaço de chão no qual o Estado se organiza.
A população ou povo é o conteúdo humano do Estado, é o conjunto de pessoas que vivem nele.
Quando um povo tem um mesmo passado histórico e um certo conjunto de interesses e aspirações comuns, sobretudo o desejo de tornar-se independente ou de manter-se independente, diz-se que é uma Nação.
O terceiro elemento do Estado é o governo soberano ou soberania.
Diz-se que um governo é soberano quando possui personalidade internacional e quando dispõe do poder máximo dentro de seu território.
A segunda idéia de nossa definição é a de lei maior. A Constituição é a lei maior de um Estado. Isto significa dizer que ela é superior a todas as outras leis. Todas as leis têm de conformar-se com a Constituição.
4. FINALIDADES DA CONSTITUIÇÃO: QUAIS SÃO?
As Constituições modernas costumam ter as seguintes finalidades:
a) organizar o Estado;
b) limitar os poderes do Estado em face das pessoas e dos grupos intermediários;
c) definir as diretrizes da vida econômica e social.
A limitação dos poderes do Estado e dos poderes e atribuições das autoridades é observação bastante acertada de Cláudio Pacheco – não haverá regime constitucional, mas cor­rupção constitucional, quando a Constituição:
a) exerce o papel indefinido de distribuir o poder pelas diversas escalas da hierarquia autoritária;
b) define apenas os direitos e deveres dos cidadãos entre si;
c) estabelece os direitos dos cidadãos em face de concessões voluntárias dos governantes.
Para que haja verdadeira Constituição é necessário que esta, a partir da legítima manifestação da vontade do povo, funcione como limitação e freio ao irrestrito poder do Estado e das autoridades.
A simples existência de uma Constituição formalizada não assegura a vigência do “regime constitucional”.
Atrita com o verdadeiro regime constitucional o arremedo de Constituições que apenas tentam legitimar o arbítrio.
5. CONSTITUIÇÕES PROMULGADAS E OUTORGADAS
Se aceitarmos que se chame de Constituição a lei maior de um país, sem nos determos a respeito da maneira como a mesma foi feita, encontraremos dois tipos de Constituição:
a) a Constituição outorgada;
b) a Constituição promulgada.
Já nos referimos a este ponto do segundo capítulo.
Constituição outorgada é aquela que parte do soberano, ou autoridade que governa, e é “dada” ao povo.
Constituição promulgada ou pragmática é aquela que resulta das assembléias populares. É também chamada pelo qualificativo de “imposta” porque o povo, através dos seus representantes, a impõe à autoridade que governa.
A rigor, só merece o nome de Constituição, a Constituição promulgada. A Constituição promulgada, como disse alcides Rosa,
não é uma dádiva concedida pelo depositário eventual do poder, príncipe ou caudilho, mas a expressão da vontade popular, que se fez conhecida na boca das urnas.
6. O QUADRO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
foram Constituições promulgadas, no Brasil, a de 1891, a de 1934, a de 1946 e a atual (de 1988).
Foram Constituições outorgadas a de 1824, a de 1937 e a de 1969.
A Constituição de 1967 autoproclamou-se promulgada. O Congresso que a votou pretendeu ter recebido poderes constituintes do movimento militar de 1964. Mas, na verdade, não foi promulgada. É juridicamente inaceitável que a força militar se substitua ao povo, delegando, em nome do povo, poderes constituintes ao Congresso. Não foi, entretanto, uma Constituição outorgada por ato de simples e confessado arbítrio. Foi submetida ao Congresso então existente. Esse Congresso apresentava-se bastante deformado naquela oportunidade. Grandes líderes brasileiros tinham sido excluídos compulsoriamente da vida pública, por ato do golpe de 1964. A Constituição foi votada sem a participação deles. Não vigorava, outrossim, no país, o clima de liberdade indispensável à reunião de uma assembléia Constituinte.
Assim, poderíamos dizer que a Constituição de 1967 foi semi-outorgada. Das Constituições promulgadas teve somente a aparência. Das Constituições outorgadas teve o vício autoritário. Mas como não houve lima outorga pura e simples talvez o mais exato seja mesmo caracterizá-la sob uma terceira nomenclatura.
7. CONSTITUIÇÕES DESRESPEITADAS, DIREITOS QUE NÃO SE EFETIVAM NA REALIDADE DA VIDA POLÍTICA E SOCIAL
Não há uma perfeita correspondência entre vigência de direi­tos, nas Constituições, e vigência de direitos, no cotidiano do povo.
O desrespeito a garantias da lei e a garantias da própria Constituição é, infelizmente, uma constatação óbvia na vida brasileira.
Entretanto, uma outra constatação é também absoluta­mente segura:
a) nos períodos históricos em que houve garantia constitucional de direitos democráticos, desrespeitaram-se os direitos.
Contudo, nesses períodos, sempre houve a possibilidade de algum protesto e de alguma reação, por parte das organizações populares e das pessoas violentadas;
b) nos períodos em que os direitos democráticos não foram nem ao menos ressalvados nas Constituições, as violações de direitos foram muito mais flagrantes. Eu me refiro a períodos históricos nos quais o arbítrio, a prepotência, o esmagamento da pessoa humana tiveram amparo em constituições espúrias, em atos institucionais putrefatos, em leis de exceção permissivas de abusos.
Nesses períodos, o clamor do oprimido foi silenciado, a lágrima da viúva rolou solitária, o algoz riu e zombou do torturado, absolutamente seguro do seu “direito” de torturar.

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